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segunda-feira, 11 de novembro de 2013

Encontrar-te-ei na noite

13 de Maio de 2067, Praga

Meu amor,

são já muitos os anos em que, todos os dias, abro os olhos para ti, em que todas as horas são passadas na recordação de todas as tuas expressões, em que o que de melhor tenho és tu, em que adormeço na esperança de que, ao acordar, te encontre a meu lado.
Agora olham para mim através de uma pequena janela, como se estivesse doido, como se de algum modo esta tão antiga paixão que vagueia dentro de mim me tivesse consumido e eliminado tudo aquilo que alguma vez fui. Vivi contigo estes últimos anos, via-te perfeitamente em toda a tua elegância a sorrir para mim, a segurar-me a mão quando a vida me empurrava e não mais consegui fazer o que amo e perdi tudo aquilo que me dava força, estiveste comigo quando a dor me invadiu o corpo e afagas-te-me os cabelos para que conseguisse descansar.
Sempre consegui reunir forças para passear contigo, falávamos alto na rua, de mãos dadas e o teu riso enchia-me de alegria e sentia-me jovem outra vez como se revivesse o nosso primeiro abraço. Fomos ao teatro e deixa-me dizer, meu amor, que não havia, nos seus vestidos elegantes, nenhuma mulher mais bela que tu, que conseguisse iluminar uma sala como tu.
E agora dizem-me que estou tolo, que passei os únicos momentos felizes que tive em trinta anos completamente sozinho. Que estive caído no chão a rir-me como uma criança, que gritei sozinho, na cama, quando não me conseguia levantar, que andei na rua sozinho, a delirar, que, quando me comecei a vestir bem e parecia são, ninguém se sentou ao meu lado no auditório. 
Vem um homem para me ver, diz que grito o teu nome durante a noite e dá-me calmantes, diz que preciso de dormir bem, mas mantenho-me acordado, como poderia dormir? Como poderia arriscar nunca mais sonhar contigo, como poderia sequer pensar em que não estivesses comigo por um segundo?
Dizem-me que morreste, meu amor. Há décadas, que há anos a fio que não tenho um momento de lucidez. Não morreste! Recuso-me a acreditar e de repente tudo é abalado! Pela primeira vez na minha vida quero acreditar em Deus, abraçar a fé e ter a certeza que te vou ver num qualquer paraíso.
Sou o ser mais miserável deste planeta, tenho setenta e dois anos, abandonei o nosso Portugal, larguei tudo o que alguma vez adorei e contigo parti porque sabia que não precisava de mais nada, de mais ninguém, senão de ti e da tua mão na minha, onde estás tu? Diz-me, uma simples palavra e as minhas lágrimas acabarão, onde estás.
Por favor, por favor deixa-me sorrir só mais uma vez.

Quero morrer e talvez te encontre na eterna noite, sabe apenas que te amo e que sempre amei.

Do teu,
André.


Vive la Resistance!

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