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domingo, 8 de junho de 2014

Primeira

Minha querida,

Sei que não pedi permissão para te escrever, mas espero que não te sintas ofendida com este meu atrevimento e que encares estas minhas palavras como uma demonstração de amizade, carinho e saudade.
Parece que desde que me alistei, fazem já dois meses, o tempo tem vindo a piorar de dia para dia fazendo com que os caudais subam e as folhas das árvores voem de encontro aos meus olhos à medida que marcho para Este. Tenho a minha capa para me proteger e ao mosquete da chuva, é certo, mas, e até tenho pena de o dizer, o pequeno alfinete em forma de coração que me deste com tanta consideração, começa a já ganhar um pouco de ferrugem e ver isso é o mesmo que ser alvo de duas tempestades. Já pedi perdão aos céus pela minha falta de cuidado e agora peço a ti, que me importas mais.
A guerra não te deve interessar muito, mas, se estiveres preocupada comigo, devo informar-te que o coronel espera ver acção dentro de um mês e, provavelmente, quando esta carta te chegar já eu estarei a tentar escapar às balas alemãs. Enquanto isso, vou comendo uma mistela de aspecto duvidoso que distribuem por mim e pelos meus companheiros, marchando mais um pouco, ouvindo nervoso as noticias trazidas pelos mensageiros e fazendo o turno de vigia mais tardio, eu e mais uns pobres coitados. Não tive qualquer sorte quando a isso, deitámo-nos tarde e sou dos que mais cedo se levantam, ainda o sol não vai alto.
Ninguém fala muito por aqui, todos receosos, presumo, e parecemos uma coluna de fantasmas à medida que caminhámos pelas estradas francesas. Até os civis se afastam de nós que vamos para a frente para que nada de mal lhes possa acontecer e, devo confessar, vejo-te em todas as raparigas, a sorrir para mim.
Tenho mais uma vez de te pedir perdão por escrever sem permissão, tenho de te pedir para não te preocupares comigo e que, até por egoísmo meu, tenhas saudades minhas. Talvez as tuas se encontrem com as minhas.
Desejo saúde a ti e aos teus.
Poderei escrever-te novamente?

Do teu,
André.

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