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domingo, 18 de maio de 2014

Onde a água é vermelha e o arco-íris em tons de rosa

Mora lá para baixo, para o interior, um homem que não conheço, mas que desprezo.
Vive num sitio assim sinistro, cheio de árvores negras e de pássaros sem asas. Para lá a água é vermelha e o arco-íris tem tons de rosa. Deve ser um sitio deplorável e devo confessar que foi exactamente através desse pedaço de mau terreno que fiquei a saber que o homem existia.
Não que a água para cá viesse ou que os frutos das árvores negras me dessem dores de barriga, mas havia, e ainda há, algo naquele senhor que desde os meus tenros anos me fez saber da sua existência solitária.
Está lá metido nos quintos, é certo, confinado ao seu espaço deprimente, mas, sempre que falo com alguém ou estou a fazer algo necessário à vida dos outros e não há minha, lá vem ele. Mas é que fala! Nunca lhe dei qualquer pretexto para se meter na minha vida...e fala, grita, berra, apregoa aos ventos!
Ainda noutro dia estava a falar com um meu tio, senhor gordo de bigode e com a mania de que manda em tudo, estava ele a dizer-me que as suas finanças eram muito boas, que gostava de poupar e que pouco lhe faltava para ser milionário. Eu bem me tentei concentrar na conversa, mas o homem lá do interior, que chato que ele foi, não se calou...
"Eish que ganda peta!", sim eu sei, ele fala assim como alguns desses miúdos mal educados. "Tá calado ó imbecil da merda!"
Estou eu a descascar batatas, coisa que adoro tanto fazer que cortar-me com a faca é tentador, e lá começa ele outra vez a gritar...e devo admitir que tem um vozeirão, para chegar do interior até aqui ele deve ser um autêntico barítono!
"Que puta de vida!", e aquilo começa a entrar-me no sistema. "Mais vale andar à porrada!".
A verdade é que me afecta, começo a achar que realmente devia bater em alguém sei lá. começo a achar-me um homem forte capaz de enfrentar até um pugilista.
O que é certo é que mexe comigo e a única coisa de que tenho medo é que um dia bata mesmo em alguém, sangre do nariz, do lábio e da sobrancelha, afogue o homem na sua água vermelha e que venha a policia atrás de mim a dizer que o matei num acesso de raiva.
Pior pior é que sei o que ele me dizia no seu leito de morte..."Não vales mesmo nada ó palermóide!"

Vive la Resistance!

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