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quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

A Rapariga das Festas

Era engraçada aquela miúda que sempre por aí aparecia, mesmo antes das festas. Um tanto feiosa e atarracada dois dias antes de qualquer espécie de festa, fosse um concerto ou até algo religioso, dava a graça de seus ares a toda a gente aqui da freguesia.
Usava mini-saia, camisola de manga comprida, óculos de sol e um gorro, para além das galochas cor-de-rosa, largas, que não só usava para se proteger da chuva como para guardar todos e quaisquer um pertences que tivesse de carregar consigo.
Naturalmente, e porque até com uma pessoa normal isto sucede, era falada por tudo quanto era velha que imediatamente a insultavam publicamente e faziam com que todos os habitantes desta bela localidade a olhassem de lado. Consegui, mesmo assim, ser a mais alegre de todas.
Lembro-me bem que, mal alguém começava a tocar um instrumento, fosse a ensaiar ou a mostrar-se às outras raparigas, fosse no café ou na rua, ela começava a dançar. Movia os braços como se se tratassem de asas e voasse com as correntes de ar que lá no alto se podiam sentir, os seus pés eram irrequietos e quem os tentasse seguir ficava rapidamente com os olhos trocados, o seu sorriso era constante e, mesmo por baixo dos seus escuros óculos de sol, era possível ver a alegria brilhar nos seus olhos.
Por muito que tentassem desprezá-la, ao fim de alguns minutos a observá-la, todos começavam a sentir a animação e os seus pés tentavam imitá-la tornando-se numa ameaça à normal tranquilidade cá da terra. Até as velhotas, pobres coitadas, começavam a mover-se ao som da música e, pouco tempo depois, toda a gente dançava ao pé dela esquecendo todas as coisas que os diferenciavam.

Admirei, por muito tempo, aquela miúda. Nem eu, nem ninguém sabíamos onde morava, de onde era, que fazia aqui. Não era do nosso conhecimento que ela não aparecia em qualquer outra freguesia, mas, ainda há pouco tempo, três ou quatro anos, deixei, deixámos, o próprio mundo pareceu deixar de a ver.
Desapareceu, simplesmente. Nunca mais veio para as festas, como sempre tinha feito e aqui na terrinha, nunca mais ninguém dançou, nunca mais puderam deixar de passar os carros na estrada porque todos dançavam e, de repente, apenas eu passei a lembrar-me dela.
Ainda noutro dia, encontrei as galochas da miúda. Já não eram cor-de-rosa, agora eram cinzentas e mal as consegui distinguir, apenas soube que eram dela porque dentro encontrei uma flor branca que também nada me indicaria se não fosse ter, em cada pétala, escrita a palavra "Esperança".

Vive la Resistance!

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