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quinta-feira, 25 de julho de 2013

Porquê?

26 de Setembro de 2053, Praga

Querida Senhora do Firmamento,

o que seria eu sem ti? Como poderia viver?
O meu mundo está um caos, nada do que planeei se concretizou, tudo aquilo que alguma vez sonhei parece ter-se evaporado e até as pessoas que passam na rua parecem olhar-me de lado como se julgassem todo o meu fracasso. E não te tenho aqui, não te posso abraçar, não posso dizer que cinquenta anos depois continuo a sentir o mesmo, não posso sentir o teu coração a bater junto ao meu.
O que me atormenta é que tenho a certeza, mais até do que tenho que a morte virá, que te vi. Os meus olhos não são os mesmos e por vezes sinto-me cego, apesar de os óculos me pesarem, mas nunca confundiria os teus cabelos, a tua pele, o teu olhar. Andavas no meio da multidão, calmamente, como se não soubesses que poderia estar ali, olhavas em frente e invejei que tivesses um objectivo.
Não vais acreditar que corri, naquele momento corri, toda a velhice me saiu do corpo e os meus músculos pareceram ganhar uma nova vivacidade, corri atrás de ti. Fui de encontro a muita gente, jovens admirados, velhotes felizes, crianças que apontavam para mim. Nunca pensei que houvesse algo em mim que ainda fosse capaz de tal coisa. Via-te ao longe e, por algum motivo que desconheço, estava completamente ciente de tudo o que me rodeava, da imensa quantidade de sentimentos que abalava todos aqueles corações, chorei, chorei e as lágrimas não me acompanharam na corrida desesperada, caindo pesadamente no chão com a força de mil estrelas cadentes.

Acordei no hospital, fui atropelado por uma mãe que levava os filhos à escola na sua carrinha. Dizem-me que morri durante três minutos e posso dizer-te que não vi nada, apenas houve vazio, um negro assustador e, quando vi os olhos dos médicos, a irremediável pergunta: "Por que continuo a sobreviver?"

Do teu,
André.

Vive la Resistance!


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