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sábado, 18 de maio de 2013

Os Olhos Serenos Que Me Prenderam

  14 de Setembro de 2051, Praga 

Querida pessoa da qual perdi a essência,

foi num dia como este, solarengo e com brisas frescas, que te vi pela primeira vez. Lembro-me da tua roupa, da tua postura, da estranha impressão que tive de que eras mais do que esperava e até dos primeiros momentos em que, por alguma razão, te ignorei.
Durante anos fiquei calado, com uma premente pressão no peito sempre que me aproximava de ti, sempre que havia um momento em que o meu cérebro me dizia: "Ela ama-te". Por muito tempo tentei escapar ao teu encanto, a tudo aquilo que me prendia a ti, que me impossibilitava o mau humor, que me arrancava um sorriso nas piores alturas.
Foram, no entanto, os teus olhos, castanhos e serenos, que me encarceraram e me fizeram escravo da tua vontade, que me obrigaram a olhar para ti apaixonadamente até que me devolvesses esse olhar e eu avançasse em direcção ao abismo.
Quer estivesses furiosa, feliz ou monótona, mantinham-se iguais, serenos, autenticamente sábios, possuidores do futuro e do passado, da minha alma e da vontade do povo. Que belos eram os teus olhos. Que belos ainda devem ser. Que belos serão mesmo depois de eu partir, do mundo acabar, das religiões perecerem sem saberem que deveriam adorar uma deusa e que a mesma ainda se encontrava viva.

Agora, olhando pela janela, não consigo deixar de imaginar que estou novamente contigo, que sinto o teu cheiro, o teu toque, que fico embasbacado perante a tua inteligência fenomenal ou perdido na minha razão de ser. 
Não passam de imagens há muito perdidas estes meus devaneios, mas trago uma fotografia junto ao peito, onde sorris, onde me pareces assegurar que está tudo bem e que o mundo continua a girar apesar de sem ti parecer um poço de infinita tristeza. É esta fotografia que me prende ao mundo, que me permite caminhar, a fotografia em que sorris.
Prende-me e sei que, como um dos maiores heróis da fantasia, um dia alguém me perguntará..."Ainda?"...e eu responderei..."Sempre".

Do teu,
André.

Vive la Resistance!


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