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segunda-feira, 8 de abril de 2013

Os Incríveis Pontos de Vista de Olavo Paixão: Porque o Sol Gira Em Volta da Terra

Olavo Paixão era um homem com classe. Um pouco barrigudo, baixo, careca e pitosga, orgulhava-se de tudo aquilo que tinha feito e planeava que um dia, após a sua morte, algum homem de bom senso fizesse uma lisonjeadora biografia do incrível homem que ele tinha sido.
Desde cedo se tinha revelado um tanto inteligente, nunca mais que os outros, mas mesmo assim o suficiente para que se achasse algo de anormal e digno de ser estudado pelos cientistas mais conceituados. As suas escolhas foram parcas. Talvez pudesse ter sido doutor, advogado, músico ou engenheiro, mas, devido a uns quantos cordelinhos não puxados, teve de se contentar com um lugar ao balcão de um banco, onde aturava pessoas desde que acordava até à tardinha. 
Obstante, conseguiu casar-se, construir uma casa, ter um par de filhas, casá-las a elas, reformar-se muito bem reformadinho e pagar a uma empregada para que lhe mantivesse a casa limpa.
Agora, depois de todos aqueles anos de trabalho árduo em que viu os seus sonhos caírem em desgraça, passava os dias sentado na sua poltrona vermelha a fumar cachimbo, ler um livro, embirrar com a juventude e a rir-se dos malditos políticos que entre as suas conversas já lhe tinham cortado o vencimento.
Ocasionalmente recebia uma visita dos netos, dois rapazes bem encorpados, com um pouco de queda para a parvoíce mas mesmo assim uma boa companhia. Costumava pôr no gira-discos alguma da sua música preferida: Mozart, Vivaldi, Bach... entre outros e citando apenas os mais conhecidos. Os netos não gostavam, não gostava a empregada, nem os vizinhos do lado, mas o que é certo é que ele se sentia como um rei imaginando a sua vida de glória caso realmente tivesse estudado e conseguido estudar medicina em Coimbra, terra de grandes mentes.
Acontece que a paciência cresce com a idade e, considerando que as suas filhas não conseguiam aguentar os filhos em casa, era ele que tinha de ouvir as suas perguntas óbvias. Um dia, o Bertinho colocou-lhe a seguinte questão:
- Vovô, porque é que o sol está sempre a girar?
- Eu nunca fui um homem muito religioso e com certeza não apoio aquela antiga visão da igreja de que era o sol que girava em volta da Terra e não o contrário, preferindo bastante as teorias heliocêntricas de Galileu... pobre coitado, não pôde manter-se fiel às suas crenças sob pena de morte, se bem que qualquer pessoa com um sentido de grandeza melhor formado teria morrido pela sua causa, mesmo tratando-se de ciência... e de Copérnico... esse sim, caramba, conseguiu mudar a maneira de pensar de todos aqueles padrecos fanáticos, esse sim! ... - começou o avô da criança a responder - mas ensinaram-me na escola, a Dona Ana, uma excelente professora...tenho de confessar que eu e os outros rapazes tínhamos uma paixoneta por ela, coisa pouca, um delírio de meninos... que a Terra gira à volta do Sol, mas vê bem Bertinho! Eu apenas apoio as terias de Galileu e Copérnico porque estão muito bem formuladas e toda a gente sabe que coisa bem formulada é digna de confiança! É ou não é? Pois é!
Por aquela altura, a própria empregada se tinha juntado ao pequeno Alberto para apreciar aquele impressionante monólogo, que continuou:
- Claro que olhando lá para fora pode parecer que não é verdade. Realmente quando olhamos para o céu, parece que o sol se está a mover e nós estamos parados. Os meus olhos nunca me enganaram não... A não ser daquela vez em que a tua avó tinha ido à casa de banho e eu beijei um homem porque pensava que era ela, tinha uma cabeleira o homem...dava para perucas e tudo, daquelas totalmente naturais que se veem nas tele-vendas... por isso acho que realmente nada pode provar que o sol é que está quieto. Pensando bem na coisa, os cientistas dizem que girámos, mas eu da última vez que andei de barco estive enjoado durante tanto tempo que estive enfiado na cama desde Lisboa até Atenas sem comer nadinha...ou comi lagosta? Sou capaz de ter comido...Por isso presumo que realmente, se nos mexêssemos minimamente, eu ficaria enjoado...Hum... tal e coiso, coiso e tal e daí vão vinte...Hummmmmmmmm...cinco vezes três igual a vinte e um....Espera!...igual a quinze... Na Austrália é meia-noite quando aqui é meio-dia... do meu ponto de vista, realmente...Alberto! Telefona ao cento e doze, ao cento e dezassete e à televisão! Fizemos uma descoberta que vai ficar gravada na história e na televisão também, mas não interessa! O Sol gira em volta da terra! Ah-ah! Desta não estavas à espera pois não Kepler? Pois não Newton? Eu é que sou o maior!
- Vovô? Estás bem? Precisas dos medicamentos?
- Quê? Então não me ouvis-te?! - perguntou o velhote chocado com a falta de atenção do neto.
- Hãããã....repete lá - pediu o rapaz envergonhado.
Olavo abanou a cabeça em sinal de desilusão.
- Pergunta à tua professora, Bertinho. Ela sabe melhor do que eu de certeza!

André Moreira

Vive la Resistance!

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