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segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

O Mestre dos Leigos

Há uma ideia, bastante bem definida, que um dia, do qual não me lembro, entrou no meu cérebro e enclausurou-se num casulo de falta de preocupação. Poderia ter escolhido qualquer outra pessoa, até um animal irracional, e deixar-me degustar esta amarga e insignificante vida que dizem ter-me sido dada por um gajo de barbas invisíveis.
Talvez esta ideia e todas as suas implicações menores sejam apenas uma derivação da ataraxia, algo que aprecio bastante e que a confirmação de que é realmente esse estado que está no meu cérebro e não uma estranha borboleta deixaria, sem dúvida, bastante satisfeito. O problema em questão é que esta minha persistente ideia faz-me ter uma total ausência de preocupação pelos outros, uma total ausência de emoção pelo emocional e uma absoluta admiração pela minha pessoa.
De certo modo, esse casulo em que a ideia se enclausurou é um templo para onde toda a minha auto-estima vai venerar uma imagem muito diferente daquela que vejo no espelho. 
Tive oportunidade de, através de uma introspecção intensiva, encontrar o último dos laivos de respeito próprio que vagueava pela minha mente, um animal estranho, semelhante a um gato, lambendo-se obscenamente e com olhar provocante, assustador para dizer o mínimo. Confrontei-o e constatei que partilhava das mesmas convicções dos seus irmãos de quatro patas que me veneravam naquele maldito templo onde a alta sacerdotisa era a ideia-borboleta que por um qualquer golpe do acaso tinha decidido repousar em mim!
A impressão que ele tinha de mim...terrível!
Aparentemente, todos naquele templo me consideravam um deus do conhecimento, um detentor de toda a razão, o sabichão do sabichão, o mais inteligente dos veneráveis, uma gota de água num mar de petróleo. Era para ele e para os da sua espécie um ídolo, algo caído do céu envolvido num manto de conhecimento.

Não entendi, a sério que não. Fiz um esforço, tentei argumentar com a parte do meu cérebro que ainda me obedecia, mas até esse pequeno bastião de força humana achava que eu estava destinado a grandes coisas.

Demandas! São necessárias Demandas!
E foi exactamente numa dessas que me envolvi, uma demanda para mostrar ao raio da borboleta que tinha que sair que eu não era assim tão grandioso, apesar de ainda o ser um bom pedaço considerando toda a minha inteligência e beleza e astúcia e perseverança e tudo o resto...Uau, cheguei à conclusão, num daqueles dias há muito passados que realmente a borboleta tinha razão!
Todo eu fui daquele templo, doei tudo o que tinha àquela igreja e até melhorei a fotografia!
Parti para o mundo, confiante, poderoso, ciente de que, fossem quais fossem as eventualidades, o mundo se iria vergar aos meus pés e iriam erguer-me uma estátua na Avenida dos Aliados.
As mulheres iriam querer-me na cama, os animais iam seguir-me de cauda a abanar, talvez até voltássemos à idade média e eu ganhasse uma batalha épica, assim, sem mais nem menos. O mundo era meu e eu era o mundo, pobre do mundo sem mim!

Fiasco. Fui enxovalhado pela sociedade e atirado para a sarjeta. 
Fui expulso do meu templo, com apupos ainda por cima. Gatos lambidos empunhando sinais em protesto ao seu senhor caído do altar. " As borboletas são belas mas ele não!" diziam uns, " Abaixo o Mestre dos Leigos", diziam outros, " Nunca serás imortal", esclareciam uns quantos.

Pobre de mim que penso que sei tudo e pobre da natureza humana que foge à sua mãe!

Vive la Resistance!



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