Páginas

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

O senhor das mãos nos bolsos

Não foi muito o tempo que convivi com ele, era um homem esquivo que parecia gostar bastante da solidão que normalmente o envolvia e poucas eram as vezes que o via em público, ocasiões em que provava ser consideravelmente afável.
Esses breves momentos foram os bastantes para que a sua figura me ocupasse a mente durante bastante tempo.
Apesar de saber que ele tinha as suas particularidades, sempre me intrigou a maneira como, acontecesse o que acontecesse, estivesse eminente o fim do mundo ou alguém lhe desse um tabefe, ele mantinha a calma e as mãos nos bolsos, tudo isto embelezado por uma expressão calma no rosto dando a impressão de que se tinha preparado para todas a eventualidades que lhe pudessem acontecer ao longo da vida. Tenho de admitir, a perspectiva de haver um homem que em qualquer circunstância se manteria calmo, de mãos nos bolsos e que nem se tivesse comichão no nariz as retiraria, assustava-me um bom bocado.
Não me interpretem mal, o senhor nunca se revelou violento nem com as suas palavras fez o mínimo esforço para me atingir a mim ou a qualquer outra pessoa, mas um homem sem medo pode apenas inspirar aquilo que lhe falta nas outras pessoas.
Lembro-me de um dia em que eu e um grupo de rapazes estávamos juntos a conviver e em que inevitavelmente alguém se zangou com outro alguém que tinha insinuado que a irmã do outro era alguma coisa e uma cena de pancada surgiu. Qualquer criança gosta destas cenas e começa a torcer por aquele que espera que ganhe, eu e os outros não éramos diferentes e gritávamos tentando motivar os nossos amigos a "partir a cara" um do outro.
O senhor das mãos nos bolsos apareceu de repente, descia a rua com a calma distinta dele. Os que lutavam pararam imediatamente, um deles com uma mão cheia de cabelo arrancado, nem um olhar foi preciso ou uma palavra necessária. Por muito reservado que aquele homem fosse havia certas partes da sua essência que extravasavam e nos tocavam num local profundo.
A forma como andava não demonstrava autoridade, andava um pouco torto até, muitos diziam que tinha a mentalidade de uma criança e que era por isso que não tinha filhos ou mulher e parecia não se preocupar.

O que lhe aconteceu? Há muito tempo que já não sei. Pode ter morrido ou pode ainda ter o mesmo sorriso no rosto e continuar a assustar crianças sem tentar.
O que tenho a certeza é que nunca mais encontrei alguém que, como eu acreditava e continuo a acreditar, estivesse preparado para tudo o que pudesse acontecer. 
Faz parte da natureza humana nunca estar à espera do que acontece no momento seguinte, mas prefiro não pensar que encontrei na minha aldeia uma aberração, apenas alguém muito à frente do seu tempo e espécie.

José Assis, LaResistance

Vive la Resistance!

Sem comentários:

Enviar um comentário