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quarta-feira, 24 de outubro de 2012

O padre da minha aldeia

Esta é uma das muitas razões pelas quais a religião se tornou algo abominável aos meus olhos.
Quando era pequeno e morava numa pequena povoação em que o centro era a igreja, as nossas vidas eram muito dadas à religião e o padre era para nós a melhor pessoa alguma vez nascida.
Toda a gente era bastante pobre, agricultores normais, mas todos os domingos nós e as outras famílias íamos à igreja com a nossa melhor roupa.

Eu pensava que íamos assim vestidos porque tínhamos de agradar a deus, mas mais tarde vim a perceber que as velhas têm boca, as mulheres mais orgulho que os homens e é tudo uma grande sarilhada.
Mas vamos ao que interessa.

No final da missa era costume irmos à sacristia falar com o senhor padre, um senhor velhote, bastante amigável que me despenteava o cabelo sempre que eu me aproximava dois passos dele.
Falava uma família com ele, as outras esperavam em fila pela sua vez e eu observava atentamente para que quando fosse maior e fosse chefe de família lá na aldeia pudesse fazer como o meu pai fazia então. Aos poucos fui reparando que o padre tinha um tique ou aquilo que eu achava que era um. Pouco antes de as pessoas se afastarem dele, começava a esfregar o polegar e indicador com um olhar bastante penetrante.
Disse o que tinha visto à minha mãe, que muito convenientemente me respondeu que o senhor padre era um homem da igreja, o que por qualquer razão equivalia a honesto, e que estava apenas a fazer o seu trabalho e a zelar pela paróquia.

Eu não queria saber, aquilo era um tique, um tique nervoso, o meu pai mexia no bigode o padre esfregava o polegar e o indicador, bastante simples.
Esse pensamento manteve-se durante bastante tempo, até que um dia, vieram bater à porta de minha casa, a gritar pelo meu para que ele fosse até à esquadra mais próxima dar conta do desaparecimento do padre.
Foi um alvoroço. Quem seria assim tão perverso para atacar um homem de deus, para o raptar, talvez até matar?
Grupos de homens vasculharam os campos, algumas mulheres procuraram por tudo o quanto eram caves e poços, nada. Até que alguma senhora chorosa foi até à residência do padre e a encontrou vazia.

Mais tarde fiquei a saber que aquilo que eu pensava ser um tique era o padre a pedir dinheiro aos pobres "para as obras da igreja" e que tinha fugido com o dinheiro que podia ter servido para eu comer bacalhau no natal.

Que belo padre que me foi sair.

José Assis, LaResistance

Vive la Resistance!


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